JC e-mail 4501, de 21 de Maio de 2012.
A edição do jornal O
Globo do dia 21 de maio de 2012 traz duas opiniões opostas sobre a relação entre energia
nuclear e meio ambiente.
Equilíbrio, opinião do jornal
O desastre com os reatores de Fukushima, causado pelo terremoto e tsunami de
março do ano passado, abalou a indústria nuclear, e muitos países, inclusive o
próprio Japão, colocaram sob suspeição o uso de fonte nuclear para a produção de
energia. Desdobramento compreensível, pois, no mínimo, era necessário entender o
que provocara, nas minúcias técnicas, a perda de controle do complexo de usinas.
Vários planos de expansão de geração termonuclear foram revistos no mundo,
inclusive no Brasil, com a postergação de algumas unidades previstas para até
2020. Estabeleceu-se um novo prazo, para dez anos mais adiante (2030).
Em tempos de discussões sobre clima, Código Florestal e na contagem
regressiva para a conferência da Rio+20, inevitável o assunto voltar ao debate.
O Brasil conta com as duas usinas de Angra e constrói uma terceira, no mesmo
local. O peso do parque de Angra é pequeno em termos nacionais, mas ajuda a
sustentar o fornecimento ao Rio nas horas de pique.
O debate só faz sentido se considerar todos os aspectos envolvidos na
questão. O meio ambiente, claro, é um deles, e dos mais importantes. Outro, a
crescente necessidade de energia de um país dono de uma das sete maiores
economias do planeta, e que pretende crescer a uma média anual de 5%. Para se
ter uma ideia do que isso significa: a esta velocidade de expansão, o Brasil
precisará, a cada ano, de uma quantidade adicional de energia equivalente a uma
Belo Monte, hidrelétrica em construção no Rio Xingu.
Conhecido por ter um dos maiores potenciais de geração por hidrelétricas, a
mais limpa fonte de energia, o Brasil costuma ser visto como um país sem maiores
gargalos energéticos à frente. Não é tão simples assim.
Dos estimados 160 mil MW (ou 160 GW) deste potencial, metade já é explorada.
Este número, isolado, alimenta otimismo. Porém, como as melhores alternativas de
geração próximas ao mercado consumidor já são utilizadas (Sudeste, Sul), as
melhores possibilidades de expansão do sistema de hidrelétricas estão distantes,
ao Norte. Caso de Belo Monte.
Há problemas específicos nesta nova fronteira de produção de energia. Talvez
o mais grave seja o ambiental. O licenciamento da usina do Xingu saiu em meio a
conflitos e escaramuças sérias dentro da máquina burocrática. Tudo indica que a
resistência política à exploração dos rios amazônicos será crescente. Há a
alternativa de construção de usinas-plataformas: seriam construídas em
clareiras, depois deixadas para trás, apenas com o pessoal necessário à operação
das turbinas. Imita a exploração de petróleo no mar.
Seja como for, com o veto a grandes reservatórios, para evitar a inundação de
grandes áreas - cuidado razoável -, as usinas no Norte não poderão utilizar todo
o potencial de geração dos rios.
Como não faz qualquer sentido sequer pensar em conter o crescimento da
economia de um país com enormes déficits sociais, a questão é saber quais serão
as fontes alternativas de energia. Carvão e gás são poluidores, embora a
tecnologia possa reduzir os danos. E são recursos finitos. A energia eólica é
promissora, mas é difícil imaginar todo um parque industrial na dependência da
relativa incerteza dos ventos.
A energia nuclear surge, então, como uma alternativa a não ser descartada. É
preciso, de fato, entender o que houve no Japão (há confiáveis relatos de graves
erros técnicos cometidos pelos japoneses). Mas não existe outra fonte energética
tão promissora quanto a nuclear. Até do ponto de vista ambiental.
Irracionalidade, opinião de Ricardo Baitelo, doutor em planejamento
energético e trabalha na campanha de clima e energia do Greenpeace, e de Sérgio
Leitão, diretor da organização
A iniciativa do governo de adiar a construção de quatro reatores para depois
de 2021, considerando a abundante oferta de energia eólica e hidrelétrica do
País, abre espaço para o Brasil abandonar a opção nuclear. E deixa o Rio de
Janeiro, o estado que mais depende desse tipo de energia, livre para exigir de
Brasília fontes renováveis para movimentar a sua economia.
A geração nuclear contribui com 23% da energia consumida pelo estado. Este
índice pode virar zero. A capacidade de geração energética de painéis espalhados
por 5% da capital, por exemplo, supriria 100% da demanda fluminense. No Brasil
como um todo, essa situação se repete: energia nuclear supre menos do que 2% de
nossas necessidades, a um preço extorsivo se comparado às outras fontes de
geração.
O próprio Ministério de Minas e Energia, em suas estimativas sobre o
potencial de geração eólica do País, aponta para a insensatez de qualquer
investimento em nuclear. Sozinhos, os ventos seriam capazes de produzir 143
gigawatts, dez vezes mais do que gera a usina hidrelétrica de Itaipu - a maior
do Brasil.
O País estará entre os dez maiores produtores mundiais de energia eólica em
2013, e o custo de geração praticado no Brasil é o mais econômico do mundo.
Anualmente, são contratados cerca de 2 mil MW, mais do que a capacidade
instalada de Angra 1 e 2. Com tantos motivos para o governo investir em fontes
renováveis de energia, insistir na construção de Angra 3 é igualmente um
erro.
Angra 3 é um poço de problemas e indefinições. A segurança é preocupante. O
projeto prevê uma parede para encapsular seu reator medindo apenas 60
centímetros. A da usina alemã que lhe serviu de modelo tem o dobro da espessura.
Quanto à população no entorno, continua sem uma rota alternativa de fuga no caso
de acidentes.
A readequação do projeto a novas medidas de segurança pós-Fukushima
acrescentaria R$ 300 milhões ao valor total da obra, estimado em mais de R$ 10
bilhões. Por conta dessas e outras brechas no projeto de Angra 3, a Alemanha
anunciou que não pretende liberar a Garantia Hermes, fiança que garantiria o
financiamento de US$ 1,3 bilhão de bancos franceses para a construção da
usina.
Enquanto o governo tenta descobrir como fechar a conta de Angra 3, o
potencial energético da cana-de-açúcar, de 14 mil megawatts, está abandonado nos
canaviais. E o governo força a construção de Angra 3, com tecnologia importada
de países que hoje a desprezam.
A Alemanha decidiu desligar todos os seus reatores até 2022. Na França, o
novo governo pretende reduzir a participação nuclear em sua matriz energética
até 2025. Depois de Fukushima, o Japão reavaliou seus planos de expansão
nuclear, desligou seus 54 reatores e estuda maneiras de manter esse status, com
novos hábitos de consumo e uma matriz elétrica diversificada.
Fukushima trouxe duas lições para o Brasil. O país adiou o investimento em
novas usinas nucleares e o ministro Edison Lobão parou de dizer que tinha planos
de ver 50 mamutes radioativos construídos até 2050. É um alívio, mas pequeno. É
em nossa capacidade de geração a partir de fontes renováveis que está o nosso
futuro.
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