domingo, 27 de maio de 2012

Tema em discussão - Energia nuclear e meio ambiente

JC e-mail 4501, de 21 de Maio de 2012. 
A edição do jornal O Globo do dia  21 de maio de 2012 traz duas opiniões opostas sobre a relação entre energia nuclear e meio ambiente.




Equilíbrio, opinião do jornal

O desastre com os reatores de Fukushima, causado pelo terremoto e tsunami de março do ano passado, abalou a indústria nuclear, e muitos países, inclusive o próprio Japão, colocaram sob suspeição o uso de fonte nuclear para a produção de energia. Desdobramento compreensível, pois, no mínimo, era necessário entender o que provocara, nas minúcias técnicas, a perda de controle do complexo de usinas. Vários planos de expansão de geração termonuclear foram revistos no mundo, inclusive no Brasil, com a postergação de algumas unidades previstas para até 2020. Estabeleceu-se um novo prazo, para dez anos mais adiante (2030).

Em tempos de discussões sobre clima, Código Florestal e na contagem regressiva para a conferência da Rio+20, inevitável o assunto voltar ao debate. O Brasil conta com as duas usinas de Angra e constrói uma terceira, no mesmo local. O peso do parque de Angra é pequeno em termos nacionais, mas ajuda a sustentar o fornecimento ao Rio nas horas de pique.

O debate só faz sentido se considerar todos os aspectos envolvidos na questão. O meio ambiente, claro, é um deles, e dos mais importantes. Outro, a crescente necessidade de energia de um país dono de uma das sete maiores economias do planeta, e que pretende crescer a uma média anual de 5%. Para se ter uma ideia do que isso significa: a esta velocidade de expansão, o Brasil precisará, a cada ano, de uma quantidade adicional de energia equivalente a uma Belo Monte, hidrelétrica em construção no Rio Xingu.

Conhecido por ter um dos maiores potenciais de geração por hidrelétricas, a mais limpa fonte de energia, o Brasil costuma ser visto como um país sem maiores gargalos energéticos à frente. Não é tão simples assim.

Dos estimados 160 mil MW (ou 160 GW) deste potencial, metade já é explorada. Este número, isolado, alimenta otimismo. Porém, como as melhores alternativas de geração próximas ao mercado consumidor já são utilizadas (Sudeste, Sul), as melhores possibilidades de expansão do sistema de hidrelétricas estão distantes, ao Norte. Caso de Belo Monte.

Há problemas específicos nesta nova fronteira de produção de energia. Talvez o mais grave seja o ambiental. O licenciamento da usina do Xingu saiu em meio a conflitos e escaramuças sérias dentro da máquina burocrática. Tudo indica que a resistência política à exploração dos rios amazônicos será crescente. Há a alternativa de construção de usinas-plataformas: seriam construídas em clareiras, depois deixadas para trás, apenas com o pessoal necessário à operação das turbinas. Imita a exploração de petróleo no mar.

Seja como for, com o veto a grandes reservatórios, para evitar a inundação de grandes áreas - cuidado razoável -, as usinas no Norte não poderão utilizar todo o potencial de geração dos rios.

Como não faz qualquer sentido sequer pensar em conter o crescimento da economia de um país com enormes déficits sociais, a questão é saber quais serão as fontes alternativas de energia. Carvão e gás são poluidores, embora a tecnologia possa reduzir os danos. E são recursos finitos. A energia eólica é promissora, mas é difícil imaginar todo um parque industrial na dependência da relativa incerteza dos ventos.

A energia nuclear surge, então, como uma alternativa a não ser descartada. É preciso, de fato, entender o que houve no Japão (há confiáveis relatos de graves erros técnicos cometidos pelos japoneses). Mas não existe outra fonte energética tão promissora quanto a nuclear. Até do ponto de vista ambiental.

Irracionalidade, opinião de Ricardo Baitelo, doutor em planejamento energético e trabalha na campanha de clima e energia do Greenpeace, e de Sérgio Leitão, diretor da organização

A iniciativa do governo de adiar a construção de quatro reatores para depois de 2021, considerando a abundante oferta de energia eólica e hidrelétrica do País, abre espaço para o Brasil abandonar a opção nuclear. E deixa o Rio de Janeiro, o estado que mais depende desse tipo de energia, livre para exigir de Brasília fontes renováveis para movimentar a sua economia.

A geração nuclear contribui com 23% da energia consumida pelo estado. Este índice pode virar zero. A capacidade de geração energética de painéis espalhados por 5% da capital, por exemplo, supriria 100% da demanda fluminense. No Brasil como um todo, essa situação se repete: energia nuclear supre menos do que 2% de nossas necessidades, a um preço extorsivo se comparado às outras fontes de geração.

O próprio Ministério de Minas e Energia, em suas estimativas sobre o potencial de geração eólica do País, aponta para a insensatez de qualquer investimento em nuclear. Sozinhos, os ventos seriam capazes de produzir 143 gigawatts, dez vezes mais do que gera a usina hidrelétrica de Itaipu - a maior do Brasil.

O País estará entre os dez maiores produtores mundiais de energia eólica em 2013, e o custo de geração praticado no Brasil é o mais econômico do mundo. Anualmente, são contratados cerca de 2 mil MW, mais do que a capacidade instalada de Angra 1 e 2. Com tantos motivos para o governo investir em fontes renováveis de energia, insistir na construção de Angra 3 é igualmente um erro.

Angra 3 é um poço de problemas e indefinições. A segurança é preocupante. O projeto prevê uma parede para encapsular seu reator medindo apenas 60 centímetros. A da usina alemã que lhe serviu de modelo tem o dobro da espessura. Quanto à população no entorno, continua sem uma rota alternativa de fuga no caso de acidentes.

A readequação do projeto a novas medidas de segurança pós-Fukushima acrescentaria R$ 300 milhões ao valor total da obra, estimado em mais de R$ 10 bilhões. Por conta dessas e outras brechas no projeto de Angra 3, a Alemanha anunciou que não pretende liberar a Garantia Hermes, fiança que garantiria o financiamento de US$ 1,3 bilhão de bancos franceses para a construção da usina.

Enquanto o governo tenta descobrir como fechar a conta de Angra 3, o potencial energético da cana-de-açúcar, de 14 mil megawatts, está abandonado nos canaviais. E o governo força a construção de Angra 3, com tecnologia importada de países que hoje a desprezam.

A Alemanha decidiu desligar todos os seus reatores até 2022. Na França, o novo governo pretende reduzir a participação nuclear em sua matriz energética até 2025. Depois de Fukushima, o Japão reavaliou seus planos de expansão nuclear, desligou seus 54 reatores e estuda maneiras de manter esse status, com novos hábitos de consumo e uma matriz elétrica diversificada.

Fukushima trouxe duas lições para o Brasil. O país adiou o investimento em novas usinas nucleares e o ministro Edison Lobão parou de dizer que tinha planos de ver 50 mamutes radioativos construídos até 2050. É um alívio, mas pequeno. É em nossa capacidade de geração a partir de fontes renováveis que está o nosso futuro.

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